By Anne-Bénédicte Hoffner
Pastoral da Cultura (July 12, 2019)
O documento sobre “A Fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, assinado a 4 de fevereiro pelo papa e pelo grande imã da mesquita Al-Azhar, Ahmed al-Tayyeb, no decurso da viagem de Francisco ao Emirados Árabes Unidos, a primeira de um pontífice à península arábica, é «um acontecimento sem precedente, no plano institucional, na história das relações entre cristãos e muçulmanos».
No texto de 15 páginas intitulado “A Fraternidade para o conhecimento e a cooperação”, 22 intelectuais e responsáveis muçulmanos saúdam a publicação do documento comum, que veem como o sinal de que «uma nova fase está a abrir-se, sob diferentes aspetos», nas relações entre as duas religiões.
«Esta fase parece orientar-se para o reconhecimento da legitimidade e da diversidade providenciais das revelações [divinas], das teologias, das religiões, das linguagens e das comunidades religiosas», assinala o texto.
Os signatários consideram que «as diversidades já não são consideradas como um apelo à conquista ou ao proselitismo, ou um pretexto para uma simples tolerância de fachada, mas como uma oportunidade para exercer e colocar em prática a fraternidade, que é “uma vocação contida no plano de Deus para a criação”, tal como afirma o próprio documento».
Por isso, o «respeito pela pluralidade religiosa» requer o «reconhecimento do outro», que não é «nem uma uniformidade forçada, nem um sincretismo conciliador», mas «uma advertência face ao risco de situar um grupo contra o outro, ou em lugar do outro».
«Começa a emergir a ideia de que o conceito cristão de Deus, na sua essência, não é fundamentalmente contrário à visão islâmica, ainda que se apresente formalmente de maneira diferente»
O texto é subscrito, entre outros, por responsáveis sufis, bem como por personalidades há muito envolvidas no diálogo entre islão e cristianismo, provenientes de países como o Senegal, Argélia, Líbia, Paquistão, Emiratos Árabes Unidos, Iraque, Itália, Bósnia, Eslovénia e EUA.
Publicado numa página da internet criada para a ocasião, o texto lembra algumas das etapas, do lado católico, do diálogo entre o islão e o cristianismo, como a declaração “Nostra aetate”, do concílio Vaticano II, a visita de S. João Paulo II a Marrocos ou o encontro em Assis, em 1986.
«Depois deles, começa a emergir a ideia de que o conceito cristão de Deus, na sua essência, não é fundamentalmente contrário à visão islâmica, ainda que se apresente formalmente de maneira diferente», escrevem.
Os autores lembram que «o diálogo inter-religioso é recomendado pelo Corão, que apela a pô-lo em prática “da melhor maneira”», e nos dias que correm «é vital», e alertam para a tentação de «compreender ou de praticar» os valores da «fraternidade, misericórdia e espiritualidade (…) de maneira excessivamente sentimental ou emocional».
«Esperamos que, através deste encontro e deste documento, a comunidade muçulmana em todo o mundo encontrará um novo impulso e uma nova inspiração em favor de um diálogo interno, para fazer novamente da sua natural “unidade na diversidade” um valor comum em partilha», concluem os signatários.
Anne-Bénédicte Hoffner